Queria humildemente pedir desculpas por
só poder publicar esse comentário agora. Durante essa semana houve alguns contratempos
e até problemas técnicos. Mas tudo já perfeitamente resolvido.
O comentário que se segue, então, deve
ser compreendido não como um resumo geral do tema, que por si esgote colocações
ou debates posteriores. Pelo contrário, o que foi escrito aqui serve apenas
como ponto de partida para os debates e reflexões sobre o tema a serem postos
amanhã em nossas Escolas Dominicais. Espero que possa servir e que de certa
abençoe a quem estiver lendo, por Cristo.
Escrito por Ezequiel Carvalho, professor da classe dos jovens
O
sofrimento – Introdução
A
questão que representa a problemática mais difícil de transpor dentro da
pregação evangélica, sem sombras de dúvidas, é a questão do sofrimento humano.
Se o assunto torna-se delicado pela maneira com que se comunica a questão ou se ela é intrinsecamente embaraçosa, isso é indiferente, resta-nos
aceitar a dificuldade do tema.
O
saudoso Charles Colson em seu livro (com Nancy Pearcey) “E agora como
viveremos?” destaca bem essa questão ao comentar sobre Albert Einstein. Ele
afirma:
O
que bloqueou Einstein foi algo mais forte do que a doutrina da Criação: foi o
problema do mal e do sofrimento. Sabendo que deve existir, ele agonizou acerca
do caráter desse projetista. Como Deus pode ser bom, e mesmo assim permitir que
coisas terríveis aconteçam às pessoas? E porque Einstein não pôde conciliar o
problema do mal e do sofrimento com um Deus bom, virou as costas ao Deus da
Bíblia.
Enfermidades
E
em cima disso que foi dito podemos também reconhecer que o sofrimento causado
por uma enfermidade tem o seu efeito
majorado por duas questões básicas.
A
primeira é que a enfermidade, em boa parte dos casos, é uma aflição
constantemente presente, é o tipo de sofrimento que acompanha o indivíduo por
onde quer que vá, evitando assim que esse se esqueça daquilo pelo qual está
passando. Lembremos que a palavra doença vem do latim dolentia, que significa dor, sentir dor.
A
segunda questão é que a enfermidade é um sofrimento estigmatizante. É bastante
difícil você esconder que está passando por uma doença e uma vez que as pessoas
tomam conhecimento daquilo que está acontecendo, geralmente não conseguem ter
um olhar compassivo. A doença sempre esteve associada a um castigo divino (João
9.2; cf. as acusações dos amigos de Jó, a respeito de sua enfermidade), e
também a algo repulsivo (ver o caso mais clássico disso, que é a hanseníase). A
AIDS e a tuberculose são atualmente moléstias em que as pessoas que a contraem
sofrem com o preconceito.
No
que tange especificamente a Igreja contemporânea, no seu sentido institucional,
esta tem cometido, a meu ver, dois erros gravíssimos ao tratar desse tema,
quais sejam: tratar a enfermidade como algo irreal na vida do crente, afirmando
ter os cristãos privilégios especiais que os fariam imunes a qualquer tipo de
moléstia; e a perspectiva da resignação, onde o cristão deveria se submeter
pacientemente aos desígnios divinos, suportando passivamente a enfermidade como
a vontade oculta de Deus.
Para
podemos melhor compreender essa questão devemos tentar entender se a
enfermidade possui alguma origem e como o próprio Deus trabalha o tema em seu
Livro.
A enfermidade
sob a ótica bíblica.
As
doenças constituem-se como uma realidade presente na vida humana. Não tem nada
a ver, em princípio, com atuação demoníaca ou algo correlato. Quem fica doente
não está possuído, nem tão pouco lhe falta fé. O apóstolo Paulo conviveu por
muito tempo com um “espinho na carne” e não lhe faltou fé (II Coríntios 12.
7-10). A enfermidade é um fato lógico, efeito imediato da fraqueza humana,
decorrente da nossa própria limitação. Porque toda a carne é como a erva, e toda a glória do
homem como a flor da erva. Secou-se a erva, e caiu a sua flor (I Pedro 1.24).
Assim
cristãos ou não ficam doentes. Vemos na Bíblia que verdadeiros heróis da fé
padecerem de algum tipo de enfermidade, sem que isso maculasse a sua biografia.
Ninguém realizou tantos milagres pelo poder de Deus no Antigo Testamento como
Eliseu, mas o que se diz em sua biografia? E Eliseu estava doente da enfermidade de que morreu... (II
Reis 13.14).
Todos
os seres humanos são passíveis de adoecer. E o relato bíblico não se constrange
em falar que cristãos adoeceram, como no caso de II Timóteo 4.20: Erasto ficou
em Corinto, e deixei Trófimo doente em Mileto. Também é o caso em
Filipenses 2.26-27: Porquanto tinha muitas saudades de vós todos, e estava
muito angustiado de que tivésseis ouvido que ele [Epafrodito]
estivera doente. E de fato esteve doente, e quase à morte...
Isso
quer dizer que não há diferença entre um servo de Deus e um não servo?
Absolutamente não. O apóstolo Paulo é bem claro: E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem
daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Romanos 8.28).
Não entramos na perspectiva da resignação, da qual se diz: “você
está sofrendo porque Deus quer você sofra”. Deus não é um tirano sádico. Mas os
verdadeiros cristãos se confortam na providência divina. Por isso dizia Jó que sabia
que o seu Redentor vivia, e que por fim se levantaria sobre a terra. E mesmo – disse ele – que sua pele fosse
totalmente consumida, ainda na sua carne veria a Deus (Jó 19.25-26). Essa é a
fé apostólica: Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que
não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o
escape, para que a possais suportar (I Coríntios 10.13).
Ser cristão é saber que sua vida tem propósito, que se estar
no mundo com uma missão e que se serve a um Deus amoroso e compassivo. Por essa
razão o apóstolo ousadamente falou: “... não me envergonho; porque eu sei em
quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito
até àquele dia” (II Timóteo 1.12).
Ficamos doentes não porque existe um carma ou qualquer coisa
do tipo, mas apenas para podermos observar a nossa estrutura, para lembrarmos
que somos pó e a pó voltaremos (Salmos 103.14; Eclesiastes 3.20). Somos
limitados, mortais e a cada dia padecemos um pouco, sem volta, como uma vela
acesa que um dia consumirá todo o seu pavio.
Conclusão
Assim sendo, não devemos nos afastar jamais de Deus. Ele é a
nossa esperança de salvação, de regeneração da humanidade, da ressurreição dos
mortos, do corpo incorruptível. Nessa sociedade em que vivemos doentes, onde as
doenças psicossomáticas são tão abundantes, devemos ter a compreensão do
apóstolo Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna
(João 6.68).
O mesmo Deus de cura é o nosso Deus. Ele é Jeová- Rafá (יהוהדפה): O Senhor que te
sara (Êxodo 15.26). Devemos reter firmes a nossa confiança. Conhecemos o quanto
é ruim está enfermo. Já perdemos parentes, pessoas boas e queridas para doenças
terríveis. Mas sabemos que lá no céu tem alguém que verdadeiramente tomou sobre si as nossas
enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito,
ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas
transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz
a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados (Isaías 53:4-5), é nesse Deus que acreditamos.
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