Escrito por Ezequiel Carvalho, professor da classe dos jovens
Ofende-se a palavra de
Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências
do que a ela.
O
verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de
Deus.
Mas este
tesouro é certamente o mais odiado, pois faz com que os primeiros sejam os
últimos. Em contrapartida, o tesouro das indulgências é certamente o mais
benquisto, pois faz dos últimos os primeiros.
Portanto,
os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens
possuidores de riquezas. Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as
redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
As
indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente
podem ser entendidas como tais, na medida em que dão boa renda. Entretanto, na
verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a
piedade da cruz. (Lutero, 95 Teses. Teses
54, 62-68)
O
Dízimo e as Ofertas estão no centro de uma discussão no meio cristão que apenas
ganhou proporções inimagináveis com a ascensão das igrejas adeptas da teologia
da prosperidade. Podemos dizer que esse é um aspecto moderno da antiga questão
da compra e venda das indulgências (do perdão e das bênçãos de Deus), que expôs
ainda mais igreja católica medieval, já bastante ferida com as acusações contra
a postura moral de seus clérigos, provocando a cisão definitiva entre os
católicos e os ditos “protestantes”.
Por
aparente ironia do destino as igrejas descendentes do protestantismo se
envolvem em questão similar. É uma tendência natural dos novos convertidos
confundirem o real significado espiritual do dízimo. Quem já ensinou em
discipulado sabe disso. Alguns pensam no dízimo não como uma forma especial de
se ofertar voluntariamente, mas como um tipo de uma taxa para participar de um “clube”
espiritual, ou seja, como um tributo vinculativo: “eu pago, então eu tenho
direito a receber uma contrapartida de Deus”
Aí
quando os líderes religiosos de algumas congregações observam essa atitude, em
vez de corrigir, estimulam ainda mais. Disso temos o conceito mais verdadeiro
daquilo que chamamos simonia, isto é, a comercialização das coisas sagradas. A
palavra simonia vem do latim simonia, de Simão, o Mago, que segundo o
relato bíblico, pensava que o dom de Deus pudesse ser comprado por
dinheiro (Atos dos Apóstolos 8.14-24).
Deus não pode ser comprado, pois por essência
pertencem a Ele todas as coisas. Mas a ambição de alguns
tem desvirtuado o ensino correto (ortodoxo) e saudável do dízimo. Nessa ocasião
estudaremos a prática dentro de uma perspectiva puramente bíblica, ao passo que
também questionaremos a visão dos teóricos que pregam o dízimo como um tributo
vinculativo e aqueles que pregam a extinção (cessação da validade) do costume.
O Dízimo no Antigo
Testamento
O
dízimo era uma prática comum em todo o Oriente Próximo bem antes dos primeiros
códigos jurídicos aparecerem. Pagava-se a décima de seus bens, geralmente da
colheita, nas comunidades agrárias, como forma de submissão à autoridade local.
Observe essa prática, por exemplo, quando o profeta Samuel ao estabelecer a
criação da monarquia israelense diz: Este será o
direito do rei que houver de reinar
sobre vós: (...) as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará (...) Dizimará o vosso rebanho... (I Samuel
8. 11,15,17).
Ora,
esse costume também foi trazido para religião. Seria uma forma de veneração à
majestade de Deus, da mesma forma como fiéis se ajoelham em reverência. Nesse
sentido Abraão ao ver que Melquisedeque, rei de Salém, também era sacerdote do
Deus Altíssimo, lhe entregou o dízimo de tudo (Gênesis
14.20). Tomou essa atitude Abraão, porque
reconheceu ali não simplesmente um rei, mas aquilo que Melquisedeque
representava.
Posteriormente,
porém, Moisés estabeleceu o dízimo como contribuição em certo sentido
compulsória (Números 18.21-32), ainda que seja tratada como uma oferta ao
Senhor (cf. Números 18.24). O caráter obrigatório é visto quando se observa que
sem esse tipo de contribuição não haveria maneira de se estabelecer o
sacerdócio Levítico, pois estes não poderiam se sustentar sozinhos e ao mesmo
tempo cuidar das coisas referentes ao templo.
Aí
entra uma questão delicada, a oferta é voluntária, mas se não for recolhida
impede o pleno funcionamento das coisas relacionadas ao templo e ao serviço
sagrado. Não há como atender as necessidades materiais da igreja, sustentar a
obra missionária e realizar a ajuda aos necessitados, sem a contribuição financeira
dos membros eclesiásticos.
Isso
não deve, contudo, ser usado para a ostentação e proveito ou promoção pessoal.
Lembre que segundo a Lei de Moisés, os próprios levitas dariam o seu dízimo ao
Senhor e se procedessem indignamente seriam culpados e receberiam duro castigo
(Números 18.32).
Deve
ser observado que a maior questão para os crentes sinceros, e para aqueles
também que querem usar alguma desculpa para não contribuir, é a questão da
lisura, da transparência, de como é utilizado o dinheiro arrecadado. Na última
lição, quando estudamos o livro de Neemias, vimos exatamente um caso similar. O
povo havia parado de contribuir, pois o Eliasibe havia colocado Tobias para
habitar onde dantes se guardava as ofertas e os dízimos para os levitas.
Portanto quanto mais houver honestidade melhor será. Um gesto valerá por mil
palavras.
O dízimo tratado no
livro de Malaquias e aquilo que diz o Novo Testamento sobre o tema
Roubará
o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos
dízimos e nas ofertas. Com
maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação. Trazei todos os dízimos à casa do tesouro,
para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz
o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar
sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. E por causa de vós repreenderei o
devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no
campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. E todas as nações vos
chamarão bem-aventurados; porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o SENHOR
dos Exércitos (Malaquias 3.8-12).
Eis
aí os versículos favoritos das igrejas adeptas da teologia da prosperidade no
tocante ao dízimo. Temos aqui algo muito parecido com aquela contribuição
vinculativa que falamos no início, aquilo que os teóricos mais amenos
invocariam como a “lei da semeadura”: “Trazei...” e “fazei prova de mim nisto,
diz o Senhor se eu não vos abrir as janelas do
céu...”.
Porém o que não se diz geralmente é que Malaquias estava
profetizando em busca de uma recuperação na adoração e não como agindo como um
fiscal de cobrança de IPTU, ou como cobrador de transporte alternativo, ou
ainda um publicano. Ele estava preocupado com o culto, nas palavras do
professor Eugene H. Merrill:
Isso é relevante porque o dízimo representa um tributo do
vassalo exigido por seu suserano nos contextos de aliança. Isso está no cerne
da teologia das festas anuais em que Israel, em reconhecimento à soberania do
Senhor, oferecia dádivas no templo, lugar da habitação dele, concedendo-lhe,
assim, a leal devoção embutida no relacionamento deles (Êxodo 23.14-19). Por
essa razão, o dízimo era o reconhecimento de submissão à aliança e sugere que
tudo estava bem entre o Senhor e a comunidade da aliança. Quando eles faziam
isso, o Senhor, por sua vez, os abençoaria, e todas as nações os chamariam de
abençoados (v.12). (MERRILL, Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. Trads.
Helena Aranha, Regina Aranha. São Paulo: Shedd Publicações, 2009).
O pecado do povo não residia apenas em reter a contribuição
estabelecida por Moisés, mas demonstrava a falta de confiança em Deus no suprir
as necessidades da nação. Quem entrega ao Senhor o entrega por ter certeza de
que nada lhe irá fazer falta, que Aquele que recebe a oferta tem poder para
multiplicar as rendas do ofertante.
Contribuir é uma forma de dizer “obrigado Jesus Cristo por
ter me dado o que eu hoje tenho”. Não é um investimento financeiro como uma
aplicação bancária de rendimento fixo. Pastor não é gerente de banco. Quem
dizima reconhece o poder e a soberania de Deus. Por isso aquele que se nega a
ofertar ao Senhor, comporta-se como um ladrão, da mesma forma como quem acorda
pela manhã e não agradece a Deus o fato de ter dormido e acordado em paz, pois
até mesmo o ar que respiramos nos veio como uma dádiva de Deus.
No entanto, quando mencionamos o fato de o dízimo ser uma
oferta estritamente voluntária, não devendo ser “cobrada”, exigida, não queremos
dizer absolutamente que o dízimo não seja bíblico, ou que tal costume não deva
ser estimulado pelos líderes eclesiásticos. Pelo contrário, não nenhum indício
que a prática tenha deixado de existir no Novo Testamento, nem em nenhum
momento na história da Igreja.
Ora, havia necessidade que aqueles que vivessem em dedicação
exclusiva a obra do Senhor recebesse da comunidade cristã donativos para o seu
sustento. Paulo então fala de maneira bastante incisiva com os coríntios: Não sabeis vós que os que administram o que
é sagrado comem do que é do templo? E que os que de contínuo estão junto ao
altar, participam do altar? Assim
ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho
(I Coríntios 9.13-14).
Paulo por repetidas vezes negou-se a receber doações da igreja
para o seu sustento, mas nunca afirmou que isso era errado, pelo contrário, afirmou
ser este um direito dos ministros (II Tessalonicenses 3.6-9), os quais não
deveriam abusar de tal condição para não serem pesados aos irmãos.
Como, pois se sustenta ministros e tudo aquilo que de
material a igreja precisa sem o dízimo? É realmente uma aberração teológica
apoiar o fim do dízimo fazendo referência à tese de que estamos no “período da graça” e que
todo o Antigo Testamento foi abolido. O dízimo continua sendo ainda hoje,
quando dado com a consciência correta, uma maneira legítima de adoração e de
amparar as necessidades materiais da igreja.
O que se pode debater e isso com toda a razão é a estipulação
de um valor ou de uma taxa percentual que incida em cima do valor dos
rendimentos de cada um. Penso que seja razoável afirmar que as pessoas devem
contribuir com aquilo que Deus colocar no seus corações e que
apenas a ideia dos 10% possa servir de parâmetro para esse tipo de
contribuição.
Logo, conforme a recomendação do apóstolo: Cada um contribua segundo propôs no seu
coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com
alegria. Cada um contribua
segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque
Deus ama ao que dá com alegria (II Coríntios 9.7-8).
Por pensamento parecido expressou-se também Cristo quando
reconheceu a oferta de uma viúva que havia contribuído com apenas duas pequenas
moedas, que valiam meio centavo (Marcos 12.42-43), dizendo ser a oferta dela a maior em
meio a contribuição (o dízimo) de muitos ricos, pois ela entegou de todo o
coração.
Cristo não está preocupado com a opulência das igrejas, mas,
graça a Deus, com o coração dos ofertantes, pois aquele que tem poder de fazer
de pedras filhos de Abraão, conforme a expressão de João Batista (Mateus 3.9),
também tem poder para sustentar sozinho a Sua obra, mas deseja na oferta dos
seus filhos presenteá-los com ricas bênçãos espirituais. Pois Deus não esquece
daquilo que fazemos de bem, no seu devido tempo receberemos aquilo que
semearmos.
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