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Lição 11ª - O Primeiro Concílio da Igreja de Cristo - PARTE 1

ATENÇÃO: O COMENTÁRIO DESSA LIÇÃO POR CAUSA DE SEU TAMANHO FOI DIVIDO EM 4 PARTES. ESSA É A PRIMEIRA DELAS, AS OUTRAS TRÊS SE SEGUEM ABAIXO.




O CONCÍLIO DE JERUSALÉM


 








INTRODUÇÃO


Concílio é uma palavra de origem latina (concilium), significa uma reunião de clérigos e teólogos para decidir sobre assuntos relacionados à doutrina ou disciplina de uma igreja numa determinada jurisprudência ou para Igreja em sua totalidade.


Houve dois grandes períodos de controvérsia teológica aonde foi necessária uma série de concílios. O primeiro período é de 325 a 451 com os concílios de Nicéia até o de Calcedônia. O segundo é de 1215 a 1563 com os concílios de Latrão IV ao final do concílio de Trento. Ou seja, foi através dos concílios que a Igreja manteve-se na sã doutrina depois da perseguição do Império Romano e também foi pelos concílios que a Igreja Católica perdeu a chance de se reformar genuinamente e de permanecer coesa.


Estudar a história dos concílios é de suma importância para quem almeja conhecer verdadeiramente a história da Igreja. Fora essas duas eras de concílios há concílios que precisam ser estudados separadamente se desejarmos entender o impacto por eles causado na história da Igreja. Refiro-me, dentre outros, aos concílios do Vaticano II e de Jerusalém. Nessa ocasião estudaremos o concílio de Jerusalém, deixando para uma ocasião mais oportuna o estudo do Vaticano II.  


Uma reunião geral pública com a participação de representantes das diversas comunidades cristãs com os anciões e os apóstolos na cidade de Jerusalém em algum momento dos anos de 49 a 51 d.C. tem sido interpretada tradicionalmente como o primeiro concílio da Igreja Cristã. É justamente sobre esse concílio, o Concílio de Jerusalém, que farei agora um breve comentário.


No primeiro momento será explicada a razão pela qual tal reunião foi convocada e porque ela é tão importante para a história da Igreja, em que contexto ocorreu esse concílio, que grupos estavam por trás dele e quais eram seus argumentos.


No segundo momento, depois de entendido o desenrolar da reunião e a decisão final do Concílio, veremos quais foram as implicações mais imediatas do Concílio e aquelas de longo alcance. Teria um concílio ocorrido há quase dois mil anos algo ainda para nos dizer hoje?
  



I.                    CONTEXTO TEOLÓGICO E HISTÓRICO-CULTURAL DO PRIMEIRO CONCÍLIO DA IGREJA CRISTÃ


Para se entender o debate realizado no concílio de Jerusalém é necessário compreender a própria formação da igreja Cristã durante os primeiros 20 anos após a morte de Cristo.


Todos os apóstolos eram judeus e foi sob o judaísmo que o cristianismo formou-se. Os primeiros cristãos também foram judeus e conbinavam tranquilamente a crença no Messias Jesus com os ensinamentos da Torá e a interpretação dos Salmos e dos escritos dos profetas. Até os apóstolos utilizavam-se nas primeiras explanações da Palavra dessa relação como Pedro no Pentecostes: O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais [os judeus], glorificou a seu filho Jesus [...] (Atos 3.13).


Mas essa pretensa harmonia estava com os dias contados com o Evangelho sendo aceito por gentios.


Uma das características mais vivas da religião judaica é a crença presente de que o povo de Israel mantém uma relação única e exclusiva com Deus, que se expressa pela sua cultura, desde sua língua até o seus mais elementares costumes. Razões não faltam para que os judeus pensem assim. Há todo um aparato bíblico do Antigo Testamento que confirma a exclusividade de Israel. Vejamos:


A lei de Moisés afirma claramente:


E subiu Moisés a Deus, e o SENHOR o chamou do monte, dizendo: Assim falarás à casa de Jacó, e anunciarás aos filhos de Israel: Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a mim; Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha. E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel (Êxodo 19.3-6).


O contanto com outras nações era proibido, a não ser quando estes se convertiam genuinamente, como Rute, como Jefoné, pai de Calebe, que era quenezeu (Números 32.12, cf. Gênesis 15.18-19, os quenezeus eram de Canaã), lembre-se também que Efraim e Manassés, dos quais se originam as mais poderosas tribos do norte de Israel, tinham mãe egípcia.


Observe o que Moisés diz sobre contato com outros povos:


E o SENHOR teu Deus as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não farás com elas aliança, nem terás piedade delas; Nem te aparentarás com elas; não darás tuas filhas a seus filhos, e não tomarás suas filhas para teus filhos; Pois fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses; e a ira do SENHOR se acenderia contra vós, e depressa vos consumiria. [...] Porque povo santo és ao SENHOR teu Deus; o SENHOR teu Deus te escolheu, para que lhe fosses o seu povo especial, de todos os povos que há sobre a terra (Deuteronômio 7.2-4,6).


Porém quem conhece as Escrituras sabe que os filhos de Israel não obedeceram essa lei, dos mais humildes aos reis de Israel como Salomão e Acabe todos de um de só mantiveram contanto íntimo com os gentios.


Mas os Salmos ainda afirmam:


O SENHOR é Rei eterno; da sua terra perecerão os gentios (Salmos 10.16)

O SENHOR desfaz o conselho dos gentios, quebranta os intentos dos povos (Salmos 33.10)

Mas tu, SENHOR, te rirás deles; zombarás de todos os gentios (...) (Salmos 59.8).


É bom darmos uma pausa aqui para entendermos ou reforçar na nossa mente o seguinte: na religião judaica pré e pós-exílio há espaço para o proselitismo. Os salmos também dizem: Então os gentios temerão o nome do SENHOR, e todos os reis da terra a tua glória (Salmos 102.15). O que eu quero enfatizar nos trechos anteriores é que havia aparentemente toda uma doutrina na Torá (Torah) e nos escritos dos profetas e Salmos que favorecia a desconfiança étnica e sentimento de superioridade que judeus tinham para com os gentios.


Depois do Exílio Babilônico a questão do relacionamento entre judeus e gentios é levado a extremos. Quem não se lembra da cena quando Neemias voltando da presença do rei persa viu depois de alguns dias homens judeus que tinham casado com mulheres estrangeiras?


Vi também naqueles dias judeus que tinham casado com mulheres asdoditas, amonitas e moabitas. E seus filhos falavam meio asdodita, e não podiam falar judaico, senão segundo a língua de cada povo. E contendi com eles, e os amaldiçoei e espanquei alguns deles, e lhes arranquei os cabelos, e os fiz jurar por Deus, dizendo: Não dareis mais vossas filhas a seus filhos, e não tomareis mais suas filhas, nem para vossos filhos nem para vós mesmos. Porventura não pecou nisto Salomão, rei de Israel, não havendo entre muitas nações rei semelhante a ele, e sendo ele amado de seu Deus, e pondo-o Deus rei sobre todo o Israel? E, contudo as mulheres estrangeiras o fizeram pecar. E dar-vos-íamos nós ouvidos, para fazermos todo este grande mal, prevaricando contra o nosso Deus, casando com mulheres estrangeiras? (Neemias 13.23-27)


No tempo de Cristo, os judeus estavam submersos dentro do mar avassalador que era a cultura helênica. Dentro da religião judaica os saduceus tinham uma visão complacente com a cultura helênica, mas os fariseus tinham uma opinião formada bem diferente: 


Mas esta multidão, que não sabe a lei, é maldita (João 7.49).


Como os fariseus possuíam grande influência sobre o povo, a ampla maioria do povo judeu era desconfiada dos gentios. Para eles semelhante ao templo de Jerusalém o acesso dos gentios a Deus era proibido, a não ser pelo caminho da conversão ao judaísmo por meio da circuncisão.


Vemos até agora muito resumidamente a visão da religião judaica sobre os gentios. Mas e o cristianismo?

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